Trump pela culatra: como ameaças estão ajudando a turbinar popularidade de líderes de países ‘rivais’
Em menos de dois meses de governo, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem adotado medidas que geram impacto direto na política global. Suas ameaças, tarifas e embates diplomáticos, muitas vezes voltados para fortalecer sua base interna, têm provocado um outro efeito: o aumento da popularidade de outros líderes estrangeiros.
- Os vizinhos Canadá e México foram ameaçados com tarifas de 25% sobre todos os produtos importados para os Estados Unidos. A medida deve passar a valer em 2 de abril.
- Trump também disse que pretende taxar produtos europeus em 25% e acusou a União Europeia de tirar vantagem dos americanos.
- Com a Ucrânia, o presidente condicionou a manutenção do apoio americano na guerra à assinatura de um acordo que permitiria aos EUA explorar minérios ucranianos.
📈 Popularidade: Pesquisas de opinião indicam que as ameaças de Trump estão influenciando diretamente a aprovação dele. Os americanos temem que as tarifas aumentem o custo de vida nos EUA. Enquanto isso, a avaliação dos governos dos países alvos do presidente subiu.
- No Canadá, o Partido Liberal de Justin Trudeau voltou a subir nas pesquisas e ultrapassou o Conservador. A legenda estava em baixa. O país deve ter eleições em breve.
- No México, a aprovação da presidente Claudia Sheinbaum subiu 5 pontos percentuais em uma pesquisa divulgada no início de março, chegando a 80%.
- Na Europa, as aprovações do presidente francês, Emmanuel Macron, e do primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, também aumentaram, segundo os levantamentos mais recentes.
- Na Ucrânia, o apoio ao presidente Volodymyr Zelensky cresceu 10 pontos percentuais após o início do governo Trump. Os dois se desentenderam na Casa Branca no fim de fevereiro.
Diante das ameaças de Trump, alguns países observaram movimentos de unidade e valorização de produtos próprios, como no Canadá. Já na Europa, o continente tem discutido como ser menos dependente dos EUA em relação à segurança.
🔎 Análise dos especialistas ouvidos pelo g1
- 💬 “É uma espécie de efeito de mobilização patriótica ou efeito de solidariedade nacional, que é muito comum quando um país é ameaçado por outro país maior”, afirma Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV).
- 💬 “Estamos diante de uma nova configuração da ordem global, na qual uma das principais características é a ruptura do grau de aliança e dependência estabelecido entre a Europa e os Estados Unidos”, diz Victor Del Vecchio, mestre em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (USP).
Veja as análises completas ao longo do texto.
Nesta reportagem você vai ver:
- Canadá e México: como as ameaças de Trump fortalecem governos vizinhos
- União Europeia: qual o movimento feito por Macron e Starmer
- Ucrânia: como pressões impulsionam Zelensky internamente
- Trump: aprovação em queda e receio na economia
1. Canadá e México
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Cafeterias canadenses mudam nome de café ‘Americano’ em meio a guerra comercial com os EUA — Foto: Black Creek Coffee
Nas últimas semanas, Canadá e México viram ameaças de tarifas indo e voltando. No fim de janeiro, Trump anunciou que iria taxar em 25% produtos canadenses e mexicanos importados. O objetivo seria pressionar os vizinhos a combater a imigração ilegal e o tráfico de drogas para os EUA.
- Em fevereiro, Trump suspendeu as tarifas por um mês após um acordo com Sheinbaum e Trudeau.
- No início deste mês, voltou a confirmar as taxas. Dias depois, voltou atrás e adiou a cobrança sobre produtos que se enquadram no “USMCA”, que é um acordo comercial entre EUA, México e Canadá.
- 📌 Efeitos das ameaças foram sentidos nos dois países:
- No Canadá, pesquisas indicam que o Partido Liberal, de Trudeau, está no melhor momento para as próximas eleições. Antes, a legenda aparecia atrás dos conservadores, de oposição.
- No comércio, lojas canadenses começaram a boicotar produtos dos EUA e iniciaram uma campanha de valorização de itens do próprio país.
- Cafeterias também mudaram o nome do café “americano” para “canadiano”.
- Já no México, a aprovação da presidente Sheinbaum passou de 75%, no início de janeiro, para 80% em meados de fevereiro, segundo um levantamento da Buendía & Marquéz.
- No domingo (9), ela reuniu milhares de pessoas na Cidade do México em um “festival” pelo orgulho nacional.
- “Não podemos abrir mão da nossa soberania, e o nosso povo não pode ser afetado por decisões tomadas por governos estrangeiros ou hegemonias”, disse a presidente à multidão.
- 🔎 Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da FGV, relatou que conversou com vários diplomatas estrangeiros, inclusive do Canadá, recentemente. Ele afirmou ter ficado supreso com o sentimento de raiva e reação dos canadenses.
- Ainda segundo o professor, esse movimento tem se refletido no fortalecimento do Partido Liberal, que está no poder e busca a reeleição.
- “Como esse patriotismo é alimentado por um anti-americanismo, o anti-trumpismo costuma favorecer aqueles que Trump ataca. Ou seja, ele acaba fortalecendo partidos progressistas, partidos de esquerda, porque a direita canadense estava se aproximando ideologicamente de Trump”, diz.
- 🔎 Para Victor Del Vecchio, mestre em Direito Internacional pela USP, o posicionamento das lideranças de Canadá e México tem passado uma imagem de força dos governantes em defender o interesse nacional.
- Apesar disso, segundo ele, ainda é cedo para dizer que existe um aumento do nacionalismo em países que foram alvos das medidas de Trump.
- Na quinta-feira (13), Trump afirmou que pode impor uma tarifa de 200% sobre vinhos e champanhes europeus, caso a União Europeia não retire a taxa de 50% sobre uísques americanos. Essa não foi a primeira ameaça do presidente ao bloco.
- No fim de fevereiro, Trump disse que pretende taxar produtos importados da União Europeia em 25%. Ele justificou a medida afirmando que os europeus estariam “tirando vantagem” dos americanos nas trocas comerciais.
- 🌎 Nas últimas semanas, Trump recebeu na Casa Branca o presidente da França, Emmanuel Macron, e o primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer. As tarifas foram discutidas em ambos os encontros.
- Dias após a reunião, Macron afirmou que tinha poucas esperanças em relação às tarifas dos EUA e criticou a “abordagem comercial” proposta pelo governo Trump.
- Já Starmer disse que “todas as opções estavam na mesa”, sugerindo uma possível retaliação.
- Além das tarifas, Macron e Starmer organizaram encontros com outros líderes europeus para discutir a situação na Ucrânia. No radar estava a aproximação de Trump com Vladimir Putin e o risco de os EUA abandonarem o apoio aos ucranianos.
- O movimento iniciado pela Casa Branca fez com que a Europa entrasse em uma espécie de “corrida armamentista” para reduzir a dependência dos EUA em questões de segurança. A União Europeia, que não inclui o Reino Unido, preparou um plano bilionário para reforçar sua defesa própria.
- Diante desses acontecimentos, a aprovação de Macron subiu 7 pontos percentuais em um mês e chegou a 31%, segundo dados do instituto Ifop divulgados em 7 de março. O presidente conseguiu reverter uma tendência de queda, acentuada pela crise política francesa.
- Já a avaliação positiva de Starmer cresceu 10 pontos percentuais, de acordo com o jornal The Guardian. O Partido Trabalhista, liderado por ele, passou a ser visto como o mais preparado para lidar com questões de defesa — algo tradicionalmente associado ao partido de oposição.
- A imprensa dos dois países relacionou a melhora nas avaliações ao posicionamento adotado pelos líderes diante das movimentações de Trump e da postura dos EUA na guerra na Ucrânia.
- 🔎 Para Victor Del Vecchio, o mundo vive uma nova configuração da ordem global, na qual os Estados Unidos deixam de ser o único grande garantidor da paz para aliados como a Europa.
- “Estamos diante de uma nova configuração da ordem global, na qual uma das principais características é a ruptura do grau de aliança e dependência estabelecido entre a Europa e os Estados Unidos no pós-Segunda Guerra”, afirma.
Fonte Globo.com