Cultura

Quadrilhas têm preparação intensa para maratona de apresentações

Em junho, o colorido das bandeiras e o cheiro do milho assado dividem a atenção com o ritmo característico do período e que serve de trilha sonora para encenar a história popular por meio de coreografias típicas que embalam os grupos de quadrilhas juninas do Nordeste. É um movimento que reúne cultura, tradição, preparação intensa e inúmeros desafios. Em razão disso, os grupos são, sobretudo, um misto de resistência, especialmente em tempos de falta de apoio e mudanças culturais em franca ascensão. No Rio Grande do Norte, são cerca de 80 quadrilhas em atividade atualmente, segundo a Liga Independente de Quadrilhas Juninas do Estado (Liquajutern).

Tradicional ou estilizada, a paixão mantém acesos os esforços para apresentar o melhor em quadra. Na Quadrilha Tradicional Rei do Baião, de Cidade da Esperança, na zona Oeste de Natal, os 88 componentes começaram a preparação no ano passado. “Estamos prontos para brilhar. Ao todo, serão 58 apresentações este ano”, contou Marcos Santos, o Marquinhos Rei do Baião, presidente do grupo, que conta com 29 anos de história e nasceu sob o registro de Arraiá dos Inocentes. Em 2025, o grupo se apresenta contando histórias sobre a seca no sertão.

Na Quadrilha Junina Arraiá Padre Piná, de Mãe Luiza, na zona Leste, os preparativos começaram no ano passado. Akalilson Bezerril, presidente do grupo, fala que são mais de 100 componentes (92 na dança, 20 na produção, 12 na banda e 8 na diretoria). “A gente vem numa pegada pesada desde outubro para chegarmos agora e levar o melhor ao público”, conta. Quem também se prepara desde o ano passado é a Quadrilha Junina São João, do conjunto Parque dos Coqueiros, na zona Norte, que chega com um enredo inspirado no vaqueiro nordestino.

Até a primeira apresentação do grupo em 2025, na última sexta-feira (13), a preparação foi árdua. “A coreografia, por exemplo, só ficou pronta no início deste mês. Começamos a montagem em outubro, em um processo que exigiu bastante atualização. Estudamos muito sobre os trejeitos do vaqueiro, então, temos variados movimentos baseados na alma dessa figura, que se confunde, em parte, com o country americano. Criamos tudo de maneira compartilhada – somos dois coreógrafos e dois assistentes ”, relata Gilliard Allad, um dos responsáveis pelo corpo de dança.

Sandro Souza, presidente da mesma quadrilha, relata que também são avaliadas, logo no início, a necessidade e disponibilidade de recursos. “Somente após isso é que nós damos o pontapé, de fato. Alex Melo, diretor da Liquajutern, descreveu que a preparação envolve também a escolha do tema, além de criação de figurinos e coreografia até chegar à fase de ensaios. “Geralmente, os grupos fazem uma pausa de dois meses (agosto e setembro) após o São João. No retorno, tudo recomeça com um projeto piloto, que é basicamente a escolha de cada item para começar a parte de execução em janeiro”, explica Melo.

Emoção em quadra

A intensa preparação pela qual passam os componentes é recompensada em quadra. Dos aplausos da plateia à alegria em festejar um dos períodos mais animados do ano faz toda a diferença. Gilênio Morais, de 36 anos, chegou à Arraiá Padre Piná há oito anos, atraído pela então namorada. Hoje, ele faz parte da diretoria e ajuda com os figurinos e adereços. “É tudo muito trabalhoso, mas quando a gente está se apresentando é uma alegria imensa”, afirma.

“E essa alegria é independente de cansaço, porque temos uma rotina muito puxada no período que antecede o São João – sempre que termina os ensaios, todo o grupo segue para organizar o barracão”, acrescenta. O grupo conseguiu um espaço há cerca de um ano e meio, que estava abandonado em uma das ruas mais movimentadas de Mãe Luiza. “Pagamos uma pequena taxa à dona do espaço”, conta Morais. Os ensaios ocorrem duas vezes por semana, mas, com a proximidade do mês de junho, os encontros passam a ocorrer também aos domingos. Morais garante que a quadrilha está bem entrosada este ano. “Nossa expectativa é a melhor possível. Não estamos pensando em prêmios, embora a gente saiba que naturalmente eles virão”, diz.

A Padre Piná traz a cadeira de bodega como tema. “Somos a maior vencedora na categoria estilizada no Rio Grande do Norte – sete vezes campeões do Festival da Inter TV, seis vezes vencedores do Arraiá Quatrocentão e seis vezes do Mossoró Cidade Junina. Sem contar que já representamos o RN duas vezes em competições nacionais – no Ceará e no Piauí”, detalha orgulhoso o presidente da quadrilha Akalilson Bezerril.

Na Rei do Baião o orgulho em fazer parte é igualmente compartilhado pelos componentes. Lívia Cristina, de 40 anos, conhecida como Crisbela, divide a paixão pela dança em duas das maiores festas populares do País: o Carnaval e o São João. Este ano ela se apresentará de Maria Bonita na quadrilha, onde está desde o ano passado. “Os diretores do grupo me viram na Imperatriz Alecrinense [escola de samba] em 2024 e me convidaram. Aceitei o convite e me apaixonei. A Rei do Baião realmente mora no meu coração”, conta.

Animada com o fato de ser destaque como uma das personagens mais lendárias do imaginário brasileiro, Crisbela diz estar mais ansiosa do que nunca para a maratona de apresentações até julho – serão 25 em dois meses. “Nós ralamos muito, então, acredito que esse será um ano especial”, fala Crisbela. Na Quadrilha Junina São João, 84 casais são responsáveis por proporcionar à plateia um espetáculo de cores e dança. Sandro Souza, presidente do grupo, fala que a paixão pela festa funciona como um importante combustível para enfrentar os inúmeros desafios, já que eles são vários, sendo a arrecadação de recursos o principal.

“Hoje contamos com um apoio importante da Prefeitura, mas são recursos que só chegam depois do São João – o ideal seria que chegassem antes. Para a participação em um festival em Fortaleza, por exemplo, é cobrado um valor de cerca de R$ 4 mil. Sem falar que os custos totais de uma quadrilha chegam facilmente a R$ 300 mil”, explica Souza. “As quadrilhas fazem eventos particulares, rifas, participam de editais e algumas cobram mensalidades para obter os recursos”, aponta Alex Melo, da Liquajutern.

Tradição e inovação

As quadrilhas juninas chegaram ao Brasil trazidas pela Corte Imperial em 1808, com modificações a depender dos locais onde eram executadas. De início, eram organizadas com quatro a oito casais em duas filas, uma à frente da outra com as quatro extremidades formando um quadrado. Marcílio Vieira, professor do curso de Dança da UFRN, explica que a quadrilha tal qual conhecemos hoje é resultado de uma série de mudanças ocorridas ao longo dos anos. “A quadrilha estilizada representa a principal mudança e já conquistou o seu espaço, recriando e inovando num ritmo alucinante de atualização estética”, diz.

“Hoje a produção cênica desse tipo de quadrilha se encontra mais sofisticada e apurada pelas mãos de diversos profissionais que trabalham juntos para a construção do espetáculo. Vários profissionais estão envolvidos desde a construção do projeto até a apresentação cênica”, complementa o professor.

Segundo ele, a quadrilha estilizada data do final dos anos 1980, se distanciando da matuta ou tradicional, “exibindo uma profusão de novos elementos, aproximando-se do estilo carnavalesco numa ruptura brusca cuja base se consubstancia de roupas de chita, chapéu de palha, estilo satírico e caricato”. O professor afirma que há uma discussão calorosa sobre a tradição e a atualização nas quadrilhas juninas natalenses.

“Todavia, mesmo com essa controvérsia entre manutenção ou atualização da tradição, percebemos que a quadrilha matuta tem ganhado novas feições a partir da influência das estilizadas. Os diversos contextos nos quais as mudanças na capital se situam nos indicam um processo constante, histórico, heterogêneo e que implicam discussões sobre manutenção da tradição e atualização no fazer da dança da quadrilha”, sublinha Vieira.

Fonte Tribuna do Norte